quarta-feira, 4 de março de 2015

Instantes Inclusivos - Viagens à Roda dos Nomes

Viagens à roda dos nomes

Desfrutar de um livro é sempre uma viagem, desta vez, é literal pela peculiaridade das autoras abordadas, ambas responsáveis pela narrativa em simultâneo com a ilustração, de um modo muito singular. Ambas são cúmplices na realização autónoma das suas criações. Ambas mencionam nomes como títulos nos livros abordados, exibindo no seu interior uma mensagem de fruição estética, muito mais vasta do que se poderia  esperar, da contemplação do mundo que nos rodeia. Ambas nos conduzem por uma viagem de descoberta e aventura. No primeiro caso, estórias de viagens, no segundo uma permanente viagem. Em ambas as viagens de cada um de nós, da nossa identidade e do nosso papel entre os demais.
Margarida Botelho, com formação em Arquitetura, fazedora de histórias/ mediadora, como ela própria se intitula, constrói as suas histórias em tridimensionalidade, imagem criativa que lhe é peculiar, criações plásticas em volume, construídas com materiais diversificados e reciclados, intervencionados por técnicas fotográficas que culminam nas ilustrações finais desafiantes para o leitor. A expressividade dos rostos das personagens tem como base fotografias reais, assumindo assim, uma maior cumplicidade  na proximidade com a narrativa.
Partindo da sua experiência inicial do projeto “Encontros”, que teve como produto final o objeto palpável de livro, pois muito existe para além do objeto livro, a autora/ilustradora, reproduz os acontecimentos vividos nas suas viagens, onde os afetos são permeáveis e quase sentidos na epiderme de quem os lê, contaminados que estão, de fabulosas experiências reais.
Nos três livros da coleção POKA POKANI, o título de cada livro é o nome de uma criança, mas que afinal são duas, num jogo paralelo e simultâneo de vidas que estão apenas separadas geograficamente. As personagens que surgem de duas capas distintas, como se de dois livros se tratasse, seguem o seu percurso individual, cruzando-se como num jogo de encontro, nas páginas físicas centrais dos livros onde se desvenda um tabuleiro de um jogo semelhante ao jogo da glória.

“Eva/Eva “(2011)
Resulta da estadia em Moçambique durante nove meses, num campo de refugiados que constituiu o ponto de partida inicial do projeto, com o apoio da Unesco. Apresenta a dualidade de culturas (Europeia/Africana) no seu quotidiano de constantes contrastes e permanente adaptação, consoante as diferentes geografias.

“Yara/Iara” (2012) é o segundo livro da coleção, desta vez com mais um elemento na equipa, Mário Rainha Campos. Resulta da viagem de ambos a Kararaô, aldeia indígena da etnia kayapó na bacia do rio Xingu na Amazónia, no estado brasileiro do Pará, local ameaçado pela construção da central hidroelétrica. Na continuidade do projeto, este livro, documenta duas culturas (Europeia e Brasileira) e tal como o anterior remete para uma viagem em lados opostos do livro para o encontro final.

“LIA/LYA” (2014) é o terceiro livro da coleção, neste caso reflexo da viagem até Atecru, aldeia piscatória isolada, situada na costa norte da ilha de Ataúro, em Timor-Leste. Em coerência com os anteriores livros o paralelismo de culturas num jogo final de encontro.

As 3/6 protagonistas destes livros são crianças que partilham de algumas atividades comuns, brincam, vão à escola, têm uma família, em síntese, retratam um quotidiano de culturas com vivências antagónicas criadas pelos diferentes contextos.
Aborda-se a questão das diferenças socioculturais, nomeadamente entre o mundo ocidental e o protagonizado por cada uma das personagens documentadas nos três livros, através de experiências infantis, em muitos casos comuns, apresentadas em analogia. Histórias contadas em separado, ou em paralelo, que desembocam e se cruzam uma na outra, celebrando a riqueza da diversidade, a importância do outro, a identidade, a partilha, as diferentes linguagens que singularizam e polarizam a diferença, na compreensão de outros ritos, costumes e culturas. 
A ilustração de páginas duplas traçam diferentes trajetos únicos, sequências de momentos da vida de cada uma das protagonistas, permitindo aos leitores quase um relato cinéfilo das narrativas acarinhadas com pessoais reais. Notória homenagem às comunidades rurais, na linguagem dos afetos fiel à leitura do mundo real. Livros preciosos, construídos de palavras e imagens, materializadas nas vivências antagónicas em diferentes contextos de um mundo real, ainda desconhecido, para a grande maioria das pessoas. Cada personagem é um de nós, que se descobre em semelhanças e assimetrias e tem um mundo novo para descobrir.
A aquisição destes livros podem ser feitos em www.prodidactico.pt/ ou em www.margaridabotelho.com/pt/



"O meu nome é" ...
...aquele livro que nos enche do nome que é feito!
Depois de “Um livro para Ti” (livro abordado no artigo da revista anterior), Rita Correia, continua a surpreender o leitor com mais um livro jogo, ou direi mesmo, um livro surpresa. Em forma de adivinha, conduz-nos à descoberta de um nome inspirado num poema de um poeta brasileiro. Indícios que estão nas palavras (em rimas) e nas ilustrações (colagens, desenho e pintura) que remetem simultaneamente para o provável nome de alguém, mas também presente na  natureza que nos rodeia e no quotidiano de alguns dos nossos dias. As letras do nome procurado estão escondidas sequencialmente em nove páginas duplas, onde se evidenciam a linguagem dos afectos, a relação com a família, o respeito pelos animais a par, evidentemente, da expectativa  do nome que se busca.
Este livro, possui, tal como o anterior, atividades e jogos, permitindo por exemplo construir um pop-up, seguir um mapa do tesouro, construir um puzzle gigante, contendo ainda cromos disponíveis no blogue, onde  também é possível encontrar canções criadas para o efeito. Uma chamada de atenção para as guardas finais, onde mais uma vez existe um pequeno jogo, remetendo para a importância da identidade.
De referir também, o pormenor da capa revelando o nome procurado, mas que só um olhar atento o descobre a brilhar na luz! Uma palavra bem visível para os que não estão distraídos, aparentemente escondida de modo a permitir-se a descoberta de um jogo. Um detalhe! Pormenor que nos transporta para o nome de que é feito este livro,  e que em simultâneo nos enche daquilo de que é feito. Entre outras palavras, viajamos pelas palavras dos afectos e sobretudo no acreditar, palavra comum em ambas as autoras mencionadas neste artigo, que concebem os seus projetos com o nome deste livro.  O nome procurado está lá, mas tem que ser visto com “olhos de ver” , nas entrelinhas, e é esse o deslumbramento, viajar nas pistas dadas ao longo do livro, numa poesia exacerbada na ilustração que completa o formulado num caminho aberto de interpretações aos sentidos dos leitores. É neste espaço de jogo permanente e imaginação que somos conduzidos num fio condutor narrativo desde a capa à solução final, na circularidade, uniforme e coerente, na relação texto e ilustração, que contamina o prazer da descoberta e da leitura, perdurando o jogo estético e narrativo.
São livros que revelam um outro olhar sobre o quotidiano, sobre a diferença e a vida das pessoas, convocando, assim, todo o potencial imaginativo do leitor, surpreendendo e provocando, através de um jogo permanente, para a contemplação do mundo que nos rodeia, onde as ilustrações são um manancial de reforço à narrativa e fruição estética.


Elvira Cristina Silva 


Fotos de EC Silva

O Meu Nome É…

Texto e ilustração de Rita Correia
Edição de autor
(os interessados devem encomendá-lo em: ritapcorreia@gmail.com )


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