sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Instantes Inclusivos...Livros "grandes" para mãos pequenas

Os livros para crianças pequenas requerem alguns cuidados. O formato deverá ajustar-se à medida da mão do destinatário, no que respeita à durabilidade deverá ser resistente a dentadas e salivas, nesse sentido devem ser cartonados e por questão de segurança deve ser tido em conta os cantos arredondados. Poderão mesmo ser de pano, agradáveis ao toque e permitirem o aconchego, acrescido de que são resistentes às quedas de quem antecipa autonomias.
Existem livros para todos os gostos, dir-se-ia até, para todos os tamanhos, mas tal como as pessoas, os livros não se medem aos palmos. Embora se pudesse pensar que sim...
Pensar que um livro para gente pequena “basta“ cumprir os requisitos anteriormente mencionados, desengane-se. Existe oferta diversificada que se ajusta aos requisitos, mas a escolha tem que ser criteriosa, ponderando que o livro deve acompanhar o crescimento da criança. Isto é, tem que ser um livro que seja GRANDE, logo ao primeiro contacto... que no seu conteúdo possua a dimensão de proporcionar diálogos com o imaginário da criança, que a alimente na aquisição e desenvolvimento da linguagem, possibilitando a interação com o mundo, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo. É neste sentido, que um livro acompanhará o desenvolvimento da criança, fazendo diferentes leituras, em cada fase do seu desenvolvimento. A transversalidade de um livro residirá numa reconquista permanente e para além de caber em mãos pequenas é indispensável que acaricie as mãos de gente adulta com coração onde habite sentimentos, interações e afetos. Se assim for, gente crescida saberá facilmente acolher os livros GRANDES com que se cruza e por consequência partilhá-los com mãos pequenas. Correrá o risco, eventualmente, de se render perante a esplendidez de alguns desses livros, mas claro, isso será o efeito colateral da escolha de um GRANDE livro para mãos pequenas.

Tener um patito es útil”

Textos e ilustrações de Isol
Editora Fondo de Cultura Económica (2007)

Escrito e ilustrado pela argentina Marisol Misenta, que assina como Isol, é um “pequeno” livro de páginas cartonadas, bem resistentes, com cantos arredondados e de formato reduzido (15 cm por 16 cm).
Revela-nos o ponto de vista de uma criança que enumera as vantagens de ter um pequeno pato amarelo, que as crianças identificarão com os patos de borracha utilizados no banho. Um pequeno texto na página esquerda, com ilustração na página direita que exemplifica de modo peculiar a frase escrita, deste modo ilustrando a narrativa, alargando-a de modo divertido. O pato serve, entre vários exemplos para enfeite de chapéu ou de apito. “Ter um patinho é útil” seria o título em português para esta narrativa simples e bem humorada que no seu final nos deslumbra com uma outra narrativa, desta vez,  o ponto de vista do pato, com as inúmeras utilidades que um menino pode ter. O livro em forma de harmónio em dupla narrativa, constitui-se como um livro objeto pelo sua forma de manuseamento, possuindo uma caixa também cartonada para arrumação. Bastante atraente para crianças pequenas agradando ao adulto atento, o que não é de estranhar conhecendo-se a obra de Isol. A autora retrata o mundo com a perspicácia do ponto de vista das crianças, caricaturando em muitos casos o absurdo do mundo dos adultos, adicionando sempre no texto e ilustrações o humor sublime. As suas ilustrações de um modo geral são genuinamente identificáveis do seu traço, mostram-se frequentemente deslumbrantes e geniais paralelamente à sua simplicidade. Isol tem cerca de duas dezenas de livros editados em vários países, infelizmente sem nenhum título publicado em Portugal. Isol recebeu em 2013, o prémio sueco Astrid Lindgren pelo conjunto da sua obra.
  
Um bicho estranho
Texto de Mon Daporta
Ilustração de Óscar Villán
Kalandraka (2010)

Livro cartonado de 14 páginas, formato 17,5 cm por 22 cm, que na sua capa desvenda a inteligente circularidade da narrativa, esta em forma de rima onde o jogo e o ritmo desafiam o leitor. O posicionamento do texto, na utilização manual que o livro possibilita, compõem o jogo permanente que acompanha a adivinha que se deseja descobrir. Um estímulo visual e narrativo numa permanente descoberta lúdica que enternece crianças e adultos pela sua simplicidade poética. A narrativa na sua divertida possível circularidade é impossível ser mais revelada, pois necessita ser vivida na busca da individualidade e do outro.

Artur

Oli (Xosé Manuel González)

Ilustração de Marc Taeger

Kalandraka (2011)

 

Livro cartonado, formato 19cm por 19cm, com vinte e seis páginas de cantos arredondados. Aborda, enumerando de modo crescente, a  questão do nascimento, a fragilidade dos medos e inseguranças perante o desconhecido. A importância do colo e o instinto de proteção que a ilustração um pouco minimalista sobre fundo branco com traços largos, coloridos e bem expressivos nos transporta para o útero de onde nasce o protagonista, até ao aconchego do calor maternal que é afinal a zona de conforto pela qual ansiamos sempre.


 

Quem é esse bicho?

Carmem Queralt (Texto e ilustração)

Kalandraka (2014)

 

Um livro cartonado, formato 17cm por 22 cm, com vinte seis páginas de cantos arredondados para pré leitores, com o texto cuidado, em letra maiúscula para leitores iniciais, revelando o universo variadíssimo de criaturas que bem observadas são tão diversificadas quanto o imaginário dos leitores a que se destina. Atentos à especificidade característica de cada criatura, ao leitor está a surpresa reservada como sendo personagem principal da narrativa, logo questionada no título deste livro. Um livro divertido sobre a diversidade, excepcionalmente criativo no seu aspecto visual com texturas de colagens e sobre posição de traços coloridos da ilustradora espanhola que é responsável também pelo breve texto que acompanha a narrativa.  

 

Será... um gato ?

Guido Van Genechten (texto e ilustração)

Gatafunho – Rodopio de letras (2015)


Livro com alguma resistência, plastificado, em modo de harmónio, que acresce um personagem a cada aba que se abre, fomentando o espanto a cada mudança de página e ao desenrolar cumulativo da narrativa. Num total de cinco abas, com cinco imagens de animais diferentes e sem texto, constitui-se por isso mesmo, um livro de inúmeras leituras e infinitas descobertas.
Com mais três títulos no mesmo formato: Será ... uma rã?; Será... um caracol? ; Será ... um rato?.  Possibilitam narrativas diversificadas e diferenciadas acerca dos animais, alguns do universo familiar das crianças, outros menos conhecidos, permitindo através  de um visual de colorido tropical um manancial de vocabulário infinito.

Mamã?

Texto e ilustrações: Chris Haughton

Orfeu Negro (2016)


Mãe há só uma, claro, a nossa. Tal como cada um o sabe, também o pequeno mocho com que travamos conhecimento logo na capa. O título na interrogativa revela-nos uma demanda, a do mocho que ao adormecer caiu do ninho e parte numa busca atribulada da progenitora. Livro cartonado de dimensão 15,9 cm por 15,8 cm, com páginas e jogos de imagens a meia página, transporta-nos para o sentimento de perda e a inquieta demanda em busca da tranquila segurança do lugar de abrigo.

Escrito e ilustrado pelo irlandês Chris Haughton é um livro delicioso na sua narrativa ternurenta. O personagem principal espelha a inocência da infância para quem o livro se destina, contudo adultos sensíveis, facilmente mergulharão num desfile de ternura a par do humor, na redescoberta permanente e circular que a obra permite no seu aparente final feliz.

Porque os bons livros para mãos pequenas são um permanente olhar literário sobre o que nos rodeia, no final do livro há uma piscadela de olho à frase de Daniel Defoe, na obra Robinson Crusoé: “Assim, nunca vemos o verdadeiro estado da nossa condição até que os seus contrários o revelem; nem sabemos dar valor a tudo o que apreciamos senão na sua ausência”. Livro que obteve o prémio Andersen 2013.


                                                                                                                    Elvira Cristina Silva



in: rubrica Instantes Inclusivos da Revista: Educação Inclusiva (revista da Pró-Inclusão - 
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial)  Vol. 7 - Nº 2 (dezembro 2016) (pág. 41 - 44)


Capa de Raquel Reis

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